Sobre o Projeto Temático

Este projeto de pesquisa tem por objetivo a discussão de metodologias no trato com acervos museológicos. Nesse sentido, seu objeto de estudo central é o que designamos como ciclo curatorial, que diferentemente da curadoria (tal como vem sendo definida atualmente e a partir dessas práticas no campo da arte), envolve uma cadeia de procedimentos e práticas dentro dos museus, desde a incorporação de acervo até sua difusão. Embora essa cadeia seja composta por diretrizes museológicas, próprias à atividade museal, também leva a especificidades determinadas pela tipologia de acervo e pela disciplina científica articulada a ela. Nossa intenção é a de discutir o ciclo curatorial a partir de uma perspectiva transdisciplinar, através de estudos de casos desenvolvidos a partir de pesquisa acadêmica dentro das instituições aqui envolvidas: Museu de Arte Contemporânea (USP), Museu Paulista (USP), Museu de Zoologia (USP), Museu de Arqueologia e Etnologia (USP), Instituto de Física (USP), Instituto de Artes (UNICAMP).

O projeto foi pensado para abrigar e fomentar a produção de conhecimento em quatro eixos que correspondem a quatro etapas do ciclo curatorial, assim nomeadas: Coletar, Identificar, Processar, Difundir. Para cada um dos eixos foram mobilizados acervos que se encontram em tratamento naquela etapa, em diferentes disciplinas, a saber: arte, história, etnologia e zoologia.


As pesquisas desenvolvidas no contexto deste projeto temático refletem sobre a atividade de curadoria como intrinsecamente ligada à pesquisa acadêmica, em sua forma processual. Isto porque, mais do que nunca, aquilo que no mundo da arte tem sido chamado como a "era dos curadores" avança sobre outras áreas de conhecimento, tais como a história, a antropologia, a arqueologia e a zoologia, ressignificando acervos antes entendidos como meramente "científicos".


Na curadoria comprometida com a produção científica, a produção de conhecimento é inerente a todas as suas etapas, da coleta à difusão, mobilizando pesquisadores e técnicos especialistas em várias áreas do saber. Podemos afirmar que este conhecimento é, na verdade, vital para a dinâmica do que optamos por chamar como Ciclo Curatorial de modo a compreendermos a curadoria como processo.

Coletar

Mais tradicionalmente, é de se observar que os processos sistemáticos de catalogação de acervos artísticos e históricos derivaram do modelo catalográfico estabelecido pelas ciências naturais, no século XIX, dentro da perspectiva das teorias evolucionistas. Alguns métodos novos, principalmente advindos da etnografia e da prática da história oral, vêm sendo empregados na coleta de acervos de arte contemporânea e de história, por exemplo. Eles envolvem desde a pesquisa em torno do significado dos objetos coletados até o estabelecimento de protocolos e boas práticas de conservação.

Garantir o acesso à trajetória dos objetos de modo a melhor constituir suas "biografias" significa ampliar as possibilidade de entendimento dos usos, funções e ressignificações por que passam os objetos no processo de transcendência do universo privado para o espaço público e legitimado que são os museus.

Processar

O processo de identificação compreende um estudo sistemático e metódico de uma obra de arte, documento textual, ou objeto arqueológico e nos ajuda a compreender, entre outras coisas, os materiais e as técnicas empregadas na sua produção e o que aconteceu com ele(s) ao longo do tempo. As informações obtidas através das análises científicas são interpretadas, concomitantemente, com o conhecimento da sua trajetória, permitindo, assim, situar o "objeto" no contexto de sua própria época e compreendê-lo, hoje, na sua dimensão material.

A identificação tem um impacto direto nos processos de restauração do objeto museal. No contexto europeu, os museus de arte deram início, nos anos 1940, à profissionalização diversificada de seus grupos de restauradores e, a partir da década de 80, as técnicas de conservação e restauro avançaram para o desenvolvimento do processamento físico-químico dos materiais existentes com ampliação para análises não destrutivas, consequência da pesquisa científica em física e química, entre outras.

Identificar

O avanço do conhecimento, em várias áreas, bem como a criação de instrumentos de pesquisa on-line a partir dos processos de informatização de acervos e bases de dados, têm contribuído de maneira significativa para a reavaliação e aprimoramento de formas de busca e pesquisa da informação, especialmente através do desenvolvimento de ferramentas de busca cada vez mais precisas e que permitem trocas entre bases de dados pertencentes a instituições diferentes.

Isso é possível graças ao trabalho de padronização de vocabulários controlados por equipes de pesquisadores no mundo inteiro, que passaram a entender que a conservação de acervos implica necessariamente nas boas práticas de documentação de objetos musealizados e sua publicização por meio de bases de dados on-line (com informações obtidas da fase de coleta e identificação). Assim, torna-se cada vez mais imprescindível que uma equipe de museu consolide fluxos e atividades de documentação, procurando sempre um diálogo com outras instituições de mesmo gênero e outros grupos de pesquisa.

Difundir

Convencionalmente compreendida como a função per se do trabalho curatorial, a etapa de difusão é estudada pelo presente projeto temático com enfoque especial em quatro questões: a estruturação de bancos de dados, sob a forma de inventário mínimo ou outras; a digitalização dos acervos, refletindo sua disponibilização e impacto social; o processo de patrimoniação; e práticas de inventariamento de acervo.

Além disso, a pesquisa se debruçou sobre problemas complexos em torno dos campos dos bancos de dados envolvendo a descrição de matérias-primas que constituem os objetos, das técnicas de produção e níveis de descrição. Dessa forma, este eixo articula-se ao anterior, de discussão de protocolos de descrição de objetos musealizados.